quinta-feira, 31 de março de 2011

Como você percebe o Direito no filme "Uma prova de amor"?


 SINOPSE - fonte http://www.amalgama.blog.br/09/2009/uma-prova-de-amor/
                    No drama, uma jovem chamada Kate (Sofia Vassilieva) tem leucemia diagnosticada. Sua mãe Sara (Cameron Diaz), uma advogada de sucesso afastada do ofício para cuidar da filha debilitada, e seu pai, o bombeiro Brian (Jason Patric), tentam de todas as maneiras reverter o quadro da doença, e quando veem todas as possibilidades cessarem, são aconselhados por um médico a fazer uma fertilização in vitro para que a criança se torne uma doadora. Anna nasce e desde bebê passa a doar sangue, medula óssea e células para a irmã mais velha. Só que o quadro clínico de Kate não melhora, e a única chance de uma possível recuperação é a doação de um rim. A estas alturas, Anna é uma adolescente de 11 anos e se encheu de todo esse processo cirúrgico, então decide ter uma vida normal; ama a irmã, mas quer ter controle do próprio corpo. Procura o advogado Campbell Alexander (Alec Baldwin) e resolve iniciar um processo contra seus pais, pedindo uma “emancipação médica”.
                 Sara fica horrorizada com a ação judicial, e como estava acostumada a ganhar todos os casos quando exercia a advocacia, decide a todo custo manter Kate viva. Essa, por sua vez, começa a viver um comovente romance com Taylor (Thomas Dekker), um paciente do hospital que também sofre da mesma patologia. Há ainda o irmão Jesse (Evan Ellingson), que se vê cada vez mais ignorado pelos pais e pouco acrescenta a trama.
                 As performances dão um tom forte ao drama, principalmente a personagem de Cameron Diaz, logo essa atriz que é sempre criticada por fazer comédias insossas. Aqui, ela mostra extrema profundidade sentimental ao fazer uma mãe que se dedica inteiramente à filha. Há de se notar a pequena, porém memorável, participação de Joan Cusack, como a juíza De Salvo, que emociona por ter passado por um drama pessoal. A direção de Nick Cassavetes abusou do uso de flashbacks para contar a história da família, mas mantém um grande impacto emocional, principalmente por tratar de um dilema ético, e deixar uma dúvida a ser respondida pelo expectador: a decisão de Ana é certa ou errada?
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               O filme permite discutir uma série de questões relativas ao progresso da ciência e a dignidade da pessoa humana. A obra traz à tona a discussão acerca do planejamento familiar para a salvaguarda da saúde de um membro da família. O nascimento programado de Anna revela que desde sua concepção a personagem foi vista como um repositório de órgãos, de modo que  quando se rebela contra tais circunstâncias tem de procurar um advogado para ajudá-la a fazer valer sua vontade, a de não ser submetida a tratamentos dolorosos que inclusive lhe privavam de qualidade de vida. A abordagem, entretanto, vai além disso, eis que ao final, Anna, ao ingressar com a ação, obtendo decisão judicial favorável para não mais ser submetida  aos incansáveis transplantes para salvar a irmã, tomou essa decisão para salvaguardar  o direito da irmã, eis que a mesma estava cansada de ser submetida aos vários tratamentos e queria morrer em paz, sem ter que continuar se submetendo à vontade férrea da mãe de tratá-la e fazê-la viver a qualquer custo.
               Como você percebeu o Direito na obra em tela? Quais direitos fundamentais estão envolvidos?
Como se dá a discussão jurídica envolvendo a ação?  Você percebeu que Anna era menor de idade e mesmo assim, contratou um advogado e acionou seus pais sem representante legal? Qual o fundamento jurídico em nosso direito que chancelaria que uma menor, sem a representação dos responsáveis, promovesse uma ação para a proteção de seus direitos personalíssimos? 

quarta-feira, 30 de março de 2011

O DIREITO NA OBRA "O MERCADOR DE VENEZA"

Terás mais justiça do que querias!

Rafael de Souza Martins[1]
Taciana Damo Cervi[2]

Diante da incessante busca de um notável saber jurídico, recorre-se à notória contribuição da literatura. O texto proposto tem o intuito de demonstrar como juridicamente pode ser analisada uma das mais importantes obras de William Shakespeare, O mercador de Veneza. A investigação pode ser feita sob diversas ópticas, contemplando diferentes searas do Direito, como, por exemplo, o direito de empresa, o direito civil, o direito processual e a hermenêutica jurídica. Entretanto, nesta oportunidade, o leitor é convidado a compreender o negócio jurídico realizado pelas personagens e sua análise sob o aspecto do direito civil.
Escrito ao final do séc. XVI, o livro rechaça o choque cultural entre judeus e cristãos e revela como aspecto principal o negócio jurídico realizado entre Antônio, o mercador e Shylock, um usurário judeu. Antônio é inimigo público de Shylock, mas com ele realiza contrato de mútuo a fim de ajudar seu amigo Bassânio chegar até a fictícia cidade de Belmonte, onde este deseja conquistar a princesa Pórcia. Esta apenas se casaria quando a condição imposta em testamento pelo pai fosse implementada: que o pretendente, em um ato de pura sorte, escolhesse o porta-joias correto dentre três porta-joias.
Por tal motivo, Antônio adquire dívida com Shylock, no valor de três mil ducados, pelo prazo de três meses e, tendo como garantia pelo inadimplemento do contrato, uma libra de carne tirada mais próxima possível do coração de Antônio, o devedor. Percebe-se nesse momento que na Antiguidade o devedor respondia pelas dívidas com o seu próprio corpo, podendo até mesmo ser tomado como escravo pelo credor. Isso, atualmente, é inimaginável, mas o Direito é construído com o tempo e as conquistas do homem e a evolução da ciência jurídica se revelam nesse aspecto. 
Diante disso, o negócio jurídico criado por Shakespeare pode ser considerado hoje levando em conta os planos do mundo jurídico propostos por Pontes de Miranda. Interroga-se: o negócio jurídico em tela teria existência? Poderia ser questionada a validade de tal negócio? E quanto sua eficácia?
Primeiramente, deve haver uma separação entre o contrato principal, que é o mútuo, o contrato de empréstimo e a cláusula acessória, a libra de carne, a garantia em hipótese de inadimplemento. Nesse sentido, dispõe o artigo 184 do Código Civil que a obrigação acessória não afeta a obrigação principal quando esta for válida e as intenções das partes forem respeitadas. Assim, percebe-se que o contrato de mútuo não pode ser atingido ou afetado por ilegalidade da cláusula acessória, de modo que permanece sendo exigível.
Resta, então, averiguar o que foi proposto nos estudos de Pontes de Miranda. Quanto à existência do negócio jurídico, tem-se como inquestionável, pois aperfeiçoa-se por meio de uma simples manifestação de vontade feita por qualquer agente, em relação a qualquer objeto e sob qualquer forma. No tocante à validade, o negócio procede, pois o contrato foi celebrado pela manifestação de vontade livre e de boa-fé, os agentes eram capazes e legitimados. O contrato de mútuo teve prestação lícita, possível e determinada e consolidou-se na forma adequada. Quanto à eficácia do negócio jurídico em análise, verifica-se que o empréstimo surtiu efeitos durante o período proposto.
Portanto, o empréstimo possui existência, validade e eficácia, porém há objeção em relação à cláusula acessória, a libra de carne estipulada em caso de inadimplemento, que é nula. A pena de multa estipulada no acordo é ilícita e não pode ser exigida. Entretanto, em razão de ser cláusula acessória, não tem o condão de afetar o contrato principal que, observada a intenção das partes, é plenamente exigível.
Com isso, tem-se que os objetivos propostos foram alcançados, demonstrando que a literatura auxilia as reflexões jurídicas, facilitando sua compreensão. Nesse diapasão, sob a égide do Estado Democrático de Direito que tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, Shyloc não poderia exigir o cumprimento da pena de multa com a extração da libra de carne de seu devedor, entretanto ainda poderia exigir o cumprimento do contrato de mútuo.


[1] Aluno do quarto semestre do curso de graduação em Direito da URI,  aluno voluntário no Projeto Crisálida: Direito Cineliterário. 
[2] Mestra em Direito,  docente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da URI, orientadora do projeto Crisálida: Direito Cineliterário. 

Basta ter interesse para mergulhar no mundo da literatura...

Fragonard, The Reader.jpg
Óleo sobre tela de Jean-Honoré Fragonard
A leitura de romances era um dos grandes passatempos da elite no século XVIII.